domingo, maio 08, 2005

Newton x Pascal

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Numa aula sobre pressão - Por Heraldo Cañizo

Ser professor nos remete a certas alegrias quase incomparáveis com qualquer outra profissão. Ver uma pessoa ter vontade de aprender os conhecimentos que você está querendo transmitir, justifica o ofício. Ser professor, no entanto, significa bem mais do que simplesmente repassar conhecimentos técnicos inerentes a cada disciplina. Falar sobre situações que venham a estimular o desenvolvimento crítico, também é o objetivo.

Num certo dia comum, do início do ano, daqueles em que você dá inúmeras aulas, entrei numa turma de vestibular para trabalharmos o assunto pressão. Defini a grandeza: (pressão é a força F distribuída pela área S) e expliquei as relações de proporcionalidade entre a pressão e suas grandezas. Citei alguns exemplos práticos, para um melhor entendimento da turma e passei finalmente ao ponto seguinte: AS UNIDADES DE PRESSÃO. Nesse momento, expliquei que no sistema internacional de unidades (S.I.), a unidade de pressão seria N/m² (Newton por metro quadrado). Comentei que esta unidade foi convencionalmente chamada de Pascal (Pa). Portanto, uma pressão 1 N/m², pode ser escrita 1 Pa (um Pascal). Falei, ainda, que uma pressão é lida dois Pascals e não dois Pascais, como geralmente é feito, em virtude de Pascal ser o nome de um físico, e que nesses casos, não há a inflexão natural para o plural, apenas acrescenta-se o "s" ao final do nome (2 Newtons e não 2 Newtones, 5 deciBels e não 5 deciBéis).

Enquanto alguns alunos copiavam algumas coisas e outros prestavam atenção (isso é um julgamento meu), um aluno do meio da sala levantou a mão e perguntou:

- Heraldo... Pascal foi uma pessoa? Quem foi Pascal?

Tratava-se de uma situação bastante comum. É incrível como uma boa parte das pessoas nunca ouviu falar em Pascal!

Virando-me para a turma falei que Blaise Pascal era uma das figuras mais interessantes da ciência e da filosofia. Fiz alguns comentários sobre o que conhecia da vida de Pascal. Comentei que o pai de Pascal, já era um intelectual respeitado na França quando Pascal nasceu e havia resolvido que ele mesmo iria promover a educação do filho. Para isso foi idealizado um programa de estudo. O pai dividiu, de acordo com seu entendimento, o aprendizado do filho por etapas: Primeiro seria dado ênfase as chamadas línguas clássicas. Com certa idade, Pascal aprenderia francês, com outra idade latim, e assim por diante. Foi durante a execução desse programa, ainda criança, que Pascal começou a apresentar sua elevada genialidade.

Um certo dia, o pai de Pascal chegou em casa e viu seu filho estabelecendo sozinho, sem nenhuma ajuda, algumas das principais proposições da geometria euclidiana. Ficava claro uma rara habilidade para com a matemática e as ciências naturais.

Ao longo de sua vida foram inúmeras as contribuições. Além de aspectos teóricos, Pascal é considerado o inventor da primeira máquina de calcular, ou seja, do primeiro computador. Com base em suas explicações foi construída a seringa.

Pascal era, no entanto, uma pessoa de saúde muito fraca e faleceu prematuramente aos 39 anos de idade. Ao longo de sua curta vida desenvolveu também um forte interesse pela filosofia religiosa. Esse interesse acabou por atrapalhar uma contribuição mais acentuada, ainda, no campo das ciências naturais.

Alguns historiadores falam que Pascal, caso tivesse uma boa saúde e fosse menos voltado para a religião, poderia ter sido maior até mesmo que Newton. Não se pode ao certo, claro, saber a extensão dessa afirmação, mas é notória uma inteligência espetacular.


Nesse ponto eu dei uma parada, olhei para o pessoal que prestava muita atenção, dei um corte e perguntei:
- Vocês já ouviram falar de Descartes. Outro francês. Qual a frase que imortalizou Descartes? A frase com que ele é sempre lembrado?
Um aluno respondeu: "penso, logo existo".
Que boa surpresa! Tudo bem, mas o que significa isso? Penso, logo existo?
Houveram alguns murmúrios, algumas caras de sei, mas não sei se sei, e por se resguardarem prefiram não responder.
- Existem, com certeza, algumas interpretações. Deixa eu passar para vocês uma delas.

Essa frase de Descartes é considerada a grande síntese do que se chama racionalismo. Segundo ele, um ser humano só tem razão de existir enquanto um ser pensante. Um fato importante sobre ela é a base psicológica que lhe foi atribuída com o decorrer do tempo.

Vamos procurar entender. Se uma pessoa não age racionalmente é o mesmo que não existir enquanto homem. Éa razão que nos diferencia de outras espécies, que vivem baseadas apenas em instinto.

Agora, como eu mencionei, a psicologia convencionou que toda forma de agir baseada estritamente na razão é uma forma considerada cartesiana.

Vejamos um exemplo: um rapaz observa uma moça e sente-se completamente atraído por ela; no entanto, ao lado dessa moça existe um namorado, de 2 metros de altura por 3 de largura, e talvez este namorado não ache interessante que o rapaz se aproxime da moça para cortejá-la. Bem, se o rapaz começar a observar o fato racionalmente, ele poderá pensar: " se eu for até lá o namorado vai me bater, eu vou para o hospital, vou gastar dinheiro, vou perder aulas, perder festas, deixar de conhecer outras garotas potencialmente interessantes ... acho, então, que não devo ir". Essa é uma forma considerada cartesiana de pensamento.

Por que citei Descartes? É que a pessoa de nosso assunto, Pascal, o outro francês, no final da vida tinha chegado a conclusão que a razão e a ciência não eram suficientes para explicar todas as coisas do universo e nem eram totalmente reconfortantes para as pessoas. Falamos de sua intensa ligação religiosa. Pode-se dizer que fé e religião buscam, por caminhos muitas vezes diferentes, levar o ser humano a uma plenitude de paz e de harmonia com o que lhe cerca. Uma outra frase, que caracteriza bem a forma de pensar de Pascal, e que poucas pessoas sabem ser de sua autoria é: "o coração tem razões que a própria razão desconhece".

Sobre aquele nosso exemplo anterior, talvez, Pascal dissesse ao rapaz:
- Vai lá! Fala com a garota! Expresse seus sentimentos! Apanhe mas tente ser feliz! pode ser que dê certo!
- Então? Vocês são mais cartesianos ou mais pascalianos? Éimportante pensar sobre isso!

Um dos grandes males do mundo moderno é o estresse. O grande mal, chegam a dizer. A maneira de pensar ocidental, extremamente cartesiana, indica que filosoficamente Descartes causou um bem e um mal, quase na mesma proporção.

Quando pensamos: vou trabalhar bastante, porque se trabalhar muito terei muito dinheiro e minha mulher me amará mais, meus filhos me respeitarão mais, meus amigos me admirarão mais, estamos sendo cartesianos. Porém, essa forma de pensar muito racional, muitas vezes entra em conflito com aquilo que realmente gostaríamos de fazer. Trabalhar é bom, estudar é bom, mas quantas vezes nós não preferiríamos estar numa praia, olhando o mar, ou conversando numa praça com alguém, sem muito compromisso?

Essa dicotomia entre o que nos forçamos racionalmente a fazer e as coisas que, ocasionalmente, temos vontade realmente de fazer, causam um conflito interno e pessoal praticamente sem solução, que leva ao estresse e a todo um desencontro do ser humano com sua existência. Viver no mundo moderno é saber lidar com essa disputa razão versus emoção. Soou o final da aula.

É pessoal, essa foi uma boa aula sobre pressão. Até a próxima.
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deep link .:P

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