terça-feira, março 14, 2006

NA TOCA DOS LEÕES

Liberdades e cidadania

Ronaldo Caiado (*)

"É claro que a liberdade de imprensa e o direito de informar não podem servir de escudo para a irresponsabilidade." Esta frase, que conta com minha integral adesão e à qual nenhum reparo tenho a fazer, coletei-a do editorial "Ataque às liberdades", da Folha de S. Paulo de terça-feira (18/5). Nenhum direito é ou pode ser absoluto, porque seu exercício estará sempre sob o risco do excesso e do abuso, e esse risco representa uma antinomia em relação aos objetivos do próprio Direito. O período que se seguiu a essa observação ("Qualquer um que se sinta prejudicado com uma reportagem pode processar o seu autor por crime contra a honra e reclamar indenização"), também conta com minha concordância. Mas devo acrescentar que ele apresenta um viés especioso.

A quem faça uma leitura desatenta dessa parte do editorial, ficará a impressão de que será sempre suficiente e bastante, em todos os casos, que aquele que venha a ser vítima de abuso no exercício do direito de livre manifestação do pensamento deva se contentar com um processo criminal contra o autor da ofensa e com uma indenização por dano moral. Dado que os crimes de opinião são de pequeno potencial ofensivo, as querelas criminais envolvendo esses abusos acabariam reduzidas também a uma questão meramente pecuniária.

Peço licença para discordar do caráter equivocado desse enunciado feito pelo editorialista. Racionar em tais termos restritivos significaria, em verdade e ainda que involuntariamente, anuir na aniquilação de outros direitos tão fundamentais, no Estado Democrático de Direito, quanto o da liberdade de expressão, e que apresentam, em certos casos, uma sensível preponderância sobre esta.

Para ficar num único e emblemático exemplo, indago se a indenização paga aos donos e funcionários da Escola Base, acusados falsamente de abusar sexualmente de crianças lá matriculadas, foi suficiente para reparar os danos por eles sofridos à conta de todo o noticiário sensacionalista que repercutiu essas acusações. Todos sabemos que não. Os acusados eram inocentes, mas a escola fechou e não pôde ser reaberta. A reputação dos acusados foi tão danificada que eles se viram compelidos a abandonar o magistério. A vida familiar de todos, acredito, deverá ter sido profundamente abalada. E não há indenização em dinheiro que recomponha esse tipo de dano vivencial, psíquico, moral.

Imagine você, leitor, apontado por alguém numa reportagem, falsamente, como pedófilo ou estuprador. Deverá sujeitar-se às conseqüências dessa imputação que é inverídica até conseguir demonstrar cabalmente sua inocência? Seria justo que você, enquanto não se patenteasse a inverdade da acusação, procurasse impedir a divulgação dessa imputação?

Garantias fundamentais

Nos delitos de opinião, há dois planos, distintos mas complementares. Um é a reparação do dano sofrido e o outro o da cessação da ofensa. Um abuso ou ofensa num jornal ainda dá à vítima direito de resposta. A recomposição em termos de informação é mínima, mas essa perspectiva existe.

Agora, pergunto: e num livro? Nele, não há qualquer possibilidade de publicação reparadora. Um livro é muito diferente de um jornal ou de uma revista, que têm vida efêmera, e morrem em seus efeitos com a chegada às bancas da edição seguinte. O conteúdo de um livro conserva latente seu potencial destrutivo, e se renova a cada novo momento em que ele for lido. Representa um enxovalhamento eterno, fundado num registro histórico perpétuo. Jamais pretendi que esses livros fossem queimados ou aniquilados; meu propósito foi apenas e tão-somente o de suprimir deles essa monstruosidade publicada nas últimas cinco linhas da página 301. Feito isso, que voltassem eles às livrarias, à disposição dos que desejassem adquiri-los, deles retirada a peçonha de uma mentira descarada e irresponsável.

Se ao direito à livre expressão da atividade intelectual e de comunicação contrapõe-se o direito à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, segue-se como conseqüência lógica que este último condiciona o exercício do primeiro, atuando como limite estabelecido pela própria Constituição para impedir excessos e abusos.

Tome-se como referência o que aconteceu em Rondônia, e fica fácil constatar que os dois casos são bem diferentes. Lá, havia uma notícia, uma reportagem. Existiam fatos graves. O casos versava sobre prática de corrupção; havia e há nítido interesse público, existia direito da sociedade em ser informada e dever do jornalista em noticiar, circunstâncias graves que sobrelevavam claramente ao direito dos deputados e do governador à preservação de sua intimidade. No caso do livro "Na toca dos leões", é tudo muito diferente. Não há qualquer fato, e sim uma mentira. O que ali foi divulgado não tem qualquer implicação política ou conotação ideológica ou artística. Não está em jogo qualquer informação relevante. O que há é uma narrativa inventada, falsa, grosseira e infamatória. Os dois casos são distintos. E tanto o são que o Judiciário deu tratamento diferente a cada um deles.

Gostaria de fazer um chamado à razão. Uma democracia não se consolida só com eleições e com alternância de partidos no poder, ou ainda com a limitação do poder do Estado, ou com liberdade de imprensa e de expressão. Tudo isso é condição necessária, mas não suficiente. É preciso mais. Democracia, fundamentalmente, pressupõe exercício diuturno de cidadania, e uma das formas desse exercício é cada um de nós reivindicar e lutar por seus direitos fundamentais. Pouco importa se isso implicar entrar em choque o interesse de outros ou de fortes corporações, pois para isso é que em democracias existe o Judiciário, cuja função é justamente dirimir conflitos e aplicar o Direito.

Somente conseguiremos garantir o Estado Democrático de Direito se adquirirmos a consciência de que a cidadania se fundamenta, para além dos direitos contra o Estado que nos protejam de opressão política, também nas garantias fundamentais de cada indivíduo, que nos salvaguardem de quaisquer ameaças. Até mesmo de abusos praticados em nome de outros direitos fundamentais.

(*) Deputado federal (56 anos), médico e produtor rural
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Eu, Varda, tenho o livro com as tais 5 linhas. hehehe.

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- O Cara era muito louco. Contou que era médico e tinha a solução para o maior problema do país, " a superpopulação dos extratos sociais inferiores, os nordestinos". Segundo seu plano, esse problema desapareceria com a adição à água potável de um remédio que esterilizaria as mulheres. Fiuuu! O papo acabou aí.
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As linhas acimas foram retiradas na íntegra do Livro citado na maatéria mais acima.

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