quarta-feira, dezembro 14, 2022

Resultados para a UFSC da missão internacional a Japão e Singapura

{Esse post é cópia de publicação da Propesq} Jacques Mick - Pró-reitor de Pesquisa e Inovação - 26 de novembro de 2022


A missão da Fapesc com universidades catarinenses em Japão e Singapura gerou um conjunto de oportunidades para conexão entre pesquisadores.as da UFSC e dos países asiáticos. As oportunidades derivam dos contatos com as embaixadas brasileiras, com o ministério da educação e universidades nos dois países e uma agência de fomento à pesquisa no Japão. Além disso, o diálogo intenso com as demais instituições de ensino superior catarinenses envolvidas na missão resultou em uma relevante agenda de cooperação com a UFSC. Destaco a seguir os desdobramentos mais significativos, lembrando que a viagem foi financiada pelo governo de Santa Catarina, interessado em ampliar os mecanismos de cooperação entre Estado, universidades e setor privado para promoção do desenvolvimento.


O desafio da “tripla hélice”

A contribuição mais importante da missão foi o contato com as estratégias de desenvolvimento dos dois países que, a despeito das diferenças históricas, culturais e dos regimes políticos, conseguem conectar governos, universidades e indústrias em ações planejadas, de grande escala e fortemente subsidiadas pelo Estado.

No Japão, o plano do primeiro-ministro contempla produzir um novo tipo de capitalismo (expressão deles) por meio da realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU até 2030. Esse plano fixou especialidades para a pesquisa em universidades espalhadas por todo o país, que irão concentrar o desenvolvimento das inovações nas respectivas áreas, em conexão com o setor produtivo. Essa combinação entre especialização e conexão tem incrementado o número de start-ups por universidade japonesa: a de Quioto, por exemplo, tinha 164 start-ups em 2018 e chegou a 242 em 2021. A de Tóquio tem 329 e a de Osaka, 180, fechando as três maiores. O sistema jurídico do Japão permite que essas três universidades públicas tenham empresas de consultoria e venture capital especializadas no apoio a novos negócios privados. Há também capital abundante: as start-ups das quatro maiores universidades receberam investimentos milionários do governo durante todo o ciclo inicial de desenvolvimento, que se estende por anos até que o capital privado comece a investir.

Em Singapura, o elemento-chave é o planejamento de longo prazo, realizado em ciclos de cinco anos. A cidade-estado, que tem população quase igual à de Santa Catarina num território equatorial insular pouco maior do que Florianópolis, vive desafios de sustentabilidade e resiliência, relacionados sobretudo aos efeitos do aquecimento global e à soberania na disponibilidade de comida, água e energia para sua população. Também ali há forte divisão de trabalho entre as universidades, prevalecendo a máxima: “não fazemos todas as coisas, queremos ser as melhores em áreas específicas do conhecimento”. 

Em ambos os países, o desafio da especialização é enfrentado por meio de multidisciplinaridade: os temas de pesquisa são estudados levando-se em conta o conjunto de suas implicações. “Não basta criar uma vacina se a população não quiser se vacinar”, disse um biólogo indiano que nos recebeu em Singapura. Por isso eles, que adoram acrônimos, conectam STEM e SHAPE - ciência, tecnologia, engenharia e matemática a ciências sociais, humanidades, economia e artes para o povo. Também é característica comum dos sistemas universitários dos dois países a forte conexão entre universidades, a agenda (e o financiamento) dos governos e o setor privado (que também financia a pesquisa, mas em escala bem menor, e investe mais em start-ups). 

Esse contexto é relevante para compreendermos que, nos dois países, as prioridades nacionais prevalecem na cooperação técnico-científica: não há espaço para colaboração fora de temas que se conectem às agendas nacionais. Por outro lado, ambos os países têm prioridades semelhantes e que mobilizam grande parte da nossa comunidade de cientistas na UFSC, sobretudo:

  1. compreensão, mitigação e enfrentamento das mudanças climáticas; 

  2. sustentabilidade, comportando desenvolvimento de novos materiais, energias renováveis, economia circular etc.;

  3. promoção de saúde, incluindo biomedicina e remédios; e

  4. redução de exposição a desastres.

Os países têm sistemas políticos bastante singulares e IDHs muito altos, então as agendas relacionadas à ascensão do autoritarismo, à qualidade na educação e o combate à fome e à pobreza não estão mais presentes.


O papel das agências de fomento e das embaixadas

As embaixadas do Brasil no Japão e em Singapura têm unidades especializadas em ciência e tecnologia, que estão à disposição para ampliar as conexões entre as universidades catarinenses (em especial a UFSC) e instituições de pesquisa daqueles países. A Fapesc pretende organizar um portfólio para apresentação das unidades de pesquisa avançada de Santa Catarina que têm interesse em cooperação com organizações japonesas e singapuranas. A UFSC realizou tal levantamento em setembro, por iniciativa de Propesq e Sinter, identificou projetos e áreas temáticas. A agenda da missão internacional não comportou contatos com todas as universidades previstas na programação preliminar, como veremos a seguir, mas a mediação das embaixadas permitirá expandir a colaboração em todo o escopo das manifestações de interesse.

Especificamente, as embaixadas podem colaborar de três maneiras:

  1. por meio de programas de colaboração acadêmica Brasil-Japão e Brasil-Singapura para intercâmbio de professores visitantes;

  2. por meio da divulgação dos portfólios de pesquisa avançada da UFSC e de outras universidades catarinenses naqueles países; e

  3. por meio da disseminação de fontes de financiamento à colaboração internacional de pesquisa disponíveis no Japão e em Singapura.

Nesse aspecto, a embaixada no Japão produziu valiosa apresentação, com uma síntese didática dos muitos programas de fomento a intercâmbio científico do governo e de agências japonesas (em anexo).

Uma das principais agências de cooperação entre Brasil e Japão é a JICA. A missão teve contato com uma unidade da agência, o Ogata Research Institute for Peace and Development, que pesquisa, entre outros temas, a diáspora japonesa e as contribuições do Japão para o desenvolvimento e a cooperação internacional. Muitas pessoas da UFSC interessadas em temas da Ásia e/ou em Relações Internacionais podem se conectar a esse instituto.


A cooperação bilateral

No plano da cooperação bilateral, a missão teve contato com estruturas de pesquisa de seis universidades e um instituto politécnico. Das três instituições japonesas e quatro singapuranas, três estão entre as melhores do mundo (Quioto, Nacional de Singapura e Tecnológica Nanyang). Nestas, contudo, os contatos foram delimitados pelo interesse específico dos grupos de pesquisa visitados - exceto na Universidade Tecnológica Nanyang, em que o diálogo envolveu diretamente o pró-reitor de assuntos internacionais, prof. Tim White. Detalho a seguir alguns potenciais de colaboração da UFSC com cada unidade de pesquisa visitada.


Tokyo University of Technology: Universidade privada japonesa, criada recentemente, pretende se diferenciar das instituições japonesas ao estabelecer conexões internacionais e avançar na direção de algum cosmopolitismo. Recebeu a missão com entusiasmo: além da exposição do reitor, os chefes dos nove departamentos apresentaram suas pesquisas. A universidade desenvolve investigações sobretudo em engenharia de materiais (sobretudo para indústria aeronáutica), robótica e veículos elétricos, ciências da computação, nanotecnologia, biotecnologia, química aplicada, inteligência artificial, design digital, games, ciências de saúde e educação cooperativa.


Chukyo University: Universidade privada japonesa, desdobramento de negócios em educação iniciados em 1923 e até hoje liderada pela mesma família (na quarta geração). Tem 13 mil estudantes e 9 cursos de mestrado ou doutorado. Tem duas especialidades: inteligência artificial e ciência do esporte. O Campus Toyota abriga esta segunda área, que comporta educação e saúde do desporto, performance do atleta, treinamento e condicionamento e administração do esporte. A universidade se orgulha de gerar atletas de alto rendimento, tendo enviado 100 estudantes para olimpíadas. Com 3 mil alunos, tem a maior faculdade de esportes do Japão. Forte potencial para cooperação com CDS, CCS, CED, CFH e outras unidades que pesquisam temas relacionados ao esporte.


Society-Academia Collaboration for Innovation, Universidade de Quioto: das melhores universidades do mundo, a de Quioto apresentou à missão a metodologia de sua unidade de inovação, que tem o acrônimo SACI. A metodologia é um parâmetro de eficácia para as estratégias da Superintendência de Inovação da Propesq, embora a intensidade da atuação japonesa na geração de start-ups não tenha sido intensa até recentemente: tendo iniciado o programa de inovação há 15 anos, apenas uma empresa incubada na universidade de Quioto teve lançamento público de ações em bolsa de valores. A maior parte das start-ups fica em biologia, fármacos e energia e vislumbram, por enquanto, pouca possibilidade de cooperação internacional na área de inovação.


Instituto de Inovação e Empreendedorismo da Singapure Management University (SMU): universidade privada criada em 2000, a SMU quer se tornar nos próximos anos uma “global city university”, ou seja, uma instituição fortemente conectada com centros de inovação em todo o mundo. Tem hoje 9,6 mil alunos de graduação e 3,1 mil de pós, distribuídos em oito departamentos de humanidades e ciências sociais aplicadas e 19 institutos, centros ou laboratórios. Lida com três temas principais: transformações digitais, sustentabilidade e crescimento asiático. Tem forte programa de inovação e empreendedorismo, tendo apoiado 392 startups com U$ 300 milhões em investimentos públicos e privados. A SMU tem um programa de expansão por meio de overseas centers já instalados em Jacarta e no Vietnã; não foi possível aferir se têm planos de expansão para a América Latina. A cooperação ali pode ter início pelo estímulo a estudantes da UFSC interessados em participar de um concurso internacional de start-ups desenvolvido pela SMU, o Lee Kuan Yew Global Business Plan Competition, cujas inscrições estão abertas até 31 de março de 2023. Há mais de 200 incubadoras de startups em Singapura (que, lembrando, tem a área territorial de Florianópolis).


Universidade Tecnológica Nanyang: com o nada modesto projeto de se tornar a universidade mais importante do mundo em cinco anos, a NTU tem porte semelhante ao da UFSC, com 35 mil estudantes, sendo 24,8 mil de graduação. Cooperam com 250 empresas em programas de pesquisa (não projetos), sempre de longo prazo e articulados em grandes temas. A maior parte do financiamento da pesquisa vem do governo, US$ 2,2 bilhões anuais, e mais 12% vêm do setor privado. Nanyang apresentou o Asian School of the Environment, unidade de pesquisa especializada em biologia marinha e biodiversidade, com potencial para a cooperação com a UFSC, especialmente com CCB, CCA, Curitibanos e o departamento de Oceanografia, entre outras unidades. Entre as demais áreas de especialidade da NTU encontram-se várias engenharias, com destaque para materiais, favorecendo conexões com CTC, Araranguá, Blumenau, Joinville e outras unidades.


2DM Solution, Universidade Nacional de Singapura: start-up apoiada pela NUS, a 2DM desenvolveu uma técnica para extrair grafeno de grafite, processa e vende hoje uma tonelada por mês e tem planos para se tornar empresa global, com faturamento na casa do bilhão de dólares. É resultado de trabalho de um egresso da UFSC, Ricardo Oliveira, que se mudou para dar aulas em Singapura depois de ter sido professor da UFRGS. Além de extrair, a empresa tem um laboratório para testar aplicações do grafeno em todo tipo de produto. A UFSC já coopera com Ricardo, a 2DM e a NUS nesse projeto.


Centro de Pesquisa em Agricultura Urbana Sustentável – SURF, Departamento de Ciências Biológicas, Universidade Nacional de Singapura: comida e água faltaram em Singapura durante a pandemia de Covid 19. Por essa razão, a NUS tem entre suas prioridades o desenvolvimento de soluções para produção de alimentos indoor. O SURF pesquisa maneiras de enriquecer as propriedades nutricionais e medicinais de certos alimentos, em paralelo a estratégias de cultivo em ambientes fechados. O objetivo, bastante pós-apocalíptico, é viabilizar a existência de fazendas indoor, essenciais para um país sem área territorial disponível para cultivo ao ar livre. Além disso, o Surf também pesquisará aquicultura, porque Singapura tem outros 700 km2 de área oceânica e planeja fazendas marinhas. Fazendas subterrâneas também estão em estudo. Tudo isso pode favorecer cooperação com pesquisadores.as de CCA, Curitibanos, CCB e outras unidades. 


Aquaculture Innovation Center (AIC), Politécnico Temasek: na mesma linha do NUS, o AIC quer se tornar o polo mais especializado do mundo em aquicultura. Uma egressa da UFSC é pesquisadora lá e pode ajudar a fortalecer a ponte com nossas unidades especializadas na criação de moluscos, crustáceos e peixes. Equipes de Oceanografia e Biologia também podem cooperar com o AIC, entre outras unidades.


As iniciativas que a Fapesc adotará

Concluída a missão, a Fapesc terá o desafio de desenvolver programas específicos para dar consequência à estratégia de conexão das universidades do estado com Japão e Singapura. Há dotação orçamentária prevista para tanto em 2023, mas a continuidade administrativa é incerta: o governador eleito ainda não decidiu quem presidirá a Fundação. De todo modo, o atual presidente apresentará os desdobramentos possíveis da missão, que podem ser resumidos em: 

  1. financiar a mobilidade de pesquisadores.as de Santa Catarina para Japão e Singapura;

  2. dialogar com as embaixadas do Brasil naqueles países para que tentem viabilizar contrapartidas de mobilidade junto aos governos de Japão e Singapura;

  3. elaborar um portfólio de pesquisa avançada das universidades catarinenses para apresentação a potenciais parceiros internacionais, inclusive japoneses e singapuranos;

  4. talvez, financiar a parte brasileira de projetos de cooperação com universidades de Japão e Singapura.


A cooperação interinstitucional no sistema de educação superior catarinense

A missão da Fapesc congregou as instituições do sistema federal (UFSC, UFFS, IFSC e IFC), as universidades comunitárias do sistema Acafe, uma privada sem fins lucrativos (a SATC) e a Unisenai, do sistema Fiesc. O convívio prolongado dos gestores ao longo de 16 dias promoveu diálogos no sentido da aproximação interinstitucional. O tema é de interesse da UFSC, que já dialoga com a Unisenai de Blumenau, por exemplo, para o compartilhamento de estruturas de pesquisa e a colaboração em projetos. 

A interlocução sugere uma agenda em vários planos:

  1. no plano político, qualquer universidade pública em Santa Catarina precisará enfrentar o desafio civilizatório de valorizar o conhecimento e combater a mentira como método de busca da hegemonia adotado pela extrema direita no Brasil no último período, com resultados muito expressivos entre a população catarinense; se seguirem isoladas, as universidades terão menos força para dar corpo a esse enfrentamento; 

  2. para a UFSC, parcerias com as universidades comunitárias podem dar capilaridade às ações de ensino, pesquisa e extensão, fortalecendo os vínculos com a população catarinense; além disso, há interesse em comum no que se refere ao fortalecimento de programas de pós-graduação da UFSC, uma vez que nem todas as comunitárias desejam (ou têm condições para) ter mestrados ou doutorados e algumas querem ter programas de PG em cooperação com a nossa universidade; por fim, mas não menos importante, há disposição tanto das comunitárias quanto das demais IFES em conectarem-se com o sistema de inovação da UFSC, o que deverá resultar num seminário (ou evento equivalente) com essa finalidade já no início de 2023;

  3. na conexão entre UFSC e Unisenai, desenhou-se um formato preliminar, que pode

ser fecundo para ambas as partes e envolve a conexão entre as agendas de

pesquisa avançada da UFSC aos clusters de desenvolvimento industrial mapeados

pela Unisenai; instituições comunitárias associadas aos projetos, entre outras

responsabilidades, poderiam assumir a interlocução com os parceiros locais - como

uma de muitas alternativas de cooperação; guardadas as muitas diferenças entre o

Brasil e os países visitados (especialmente quanto ao montante e a natureza do

investimento público em CT&I), as experiências de conexão entre governo,

universidades e indústria no Japão e Singapura constituirão parâmetro para a

continuidade dos entendimentos interinstitucionais entre UFSC e Fiesc, como parte

dos esforços da atual gestão de nossa universidade para se reconectar a inúmeros

atores sociais e econômicos de Santa Catarina.


-.-.-


Em resumo, os resultados principais da missão são:

  1. a possibilidade de parcerias em áreas especializadas com sete universidades, sendo três do Japão e quatro de Singapura;

  2. as parcerias podem se estabelecer por variados caminho: pelo contato direto de pesquisador a pesquisador, pela mediação das embaixadas na apresentação do portfólio da UFSC, por programa de intercâmbio de professores visitantes a ser criado pela Fapesc, por meio das chamadas para cooperação internacional das agências de fomento do governo japonês ou por atividades ou eventos científicos bilaterais para congregar comunidades de pesquisa;  

  3. a partir da expansão da colaboração entre pesquisadores.as da UFSC e das universidades de Japão e Singapura, há espaço para se firmar termos de cooperação técnico-científica; não será relevante firmar tais termos sem que colaboração anterior tenha sido desenvolvida;

  4. para viabilizar a cooperação com esses e outros países, a Propesq trabalhará com a Sinter na elaboração de um portfólio da pesquisa avançada da UFSC, nas variadas áreas de conhecimento, a circular em inglês e em outros idiomas; 

  5. aproximação interinstitucional com a rede de universidades comunitárias e outras IFES de Santa Catarina, com desdobramentos em ensino de pós-graduação e conexão dos ecossistemas de inovação; 

  6. intensificação da conexão entre a UFSC e a Unisenai para o compartilhamento de recursos e, sobretudo, para o desenvolvimento de pesquisa aplicada junto ao complexo industrial de Santa Catarina.


As.os docentes que manifestaram interesse na cooperação com Japão ou Singapura na chamada Propesq/Sinter receberão feedbacks individualizados sobre as possibilidades lá encontradas.

-- 
Pró-reitoria de Pesquisa e Inovação - PROPESQ
Universidade Federal de Santa Catarina

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